Destaque - Texto

" Ratos. Que te comam. Que te esventrem e te suguem as entranhas. Que te enterrem meio vivo para pensares um pouco "

domingo, novembro 12

Foto: Tiago Lourenço 2005



I – A ida de mim

Acendo mais um cigarro. Bebo outro trago amargo na solidão escura da noite mal iluminada.
Sentado no chão. Meio despido, meio vestido. A mão direita afaga o braço direito. E sinto-me. Sinto-me mais humano. E choro.

As duas mãos tocam-me a face.
Deito-me de costas.

O tecto escuro... Não consigo pensar... Injecto-me outra vez. Os arrepios sobem por mim.
Sabe bem. Sabe bem o prazer que ressurge em mim.

Os olhos reviram-se.

E no minuto em que tudo se passa à nossa frente, no minuto em que sabemos que não vamos conseguir viver, no minuto que a morte aguarda à porta da sala, penso em tudo o que nunca tive tempo para pensar.

E errei em muita coisa. E muita coisa errou por minha culpa.

Vagueei por ruas escuras. Quando de dia tinha a certeza de que saberia o caminho de volta. Arrisquei tão cedo.

Agora estou prestes a partir.
A deixar tudo o que sempre me passou ao lado por orgulho. Por saber que tudo depende de mim. Por saber que basta um pouco de mim para que tudo o que quero esteja bem… connosco. E mesmo que não esteja não sou eu que fico a perder.

Agora estou prestes a partir…
Deixo saudade a muitos.

O sangue esvai-se pelos olhos… e murmuro de dor e sofrimento.
Do tecto pingam gotas que me tocam o corpo quente.

Quem me ama está no quarto ao lado.
Não quero acordar ninguém… deixem-me decidir o que quero desta vez. Pensar.

As forças vão-se… e com elas se vão os sentimentos. O amor… a dor… a solidão que sentia tão intensamente…

Acabou… acabou tudo agora.

E o que mais peço é que ninguém entre agora na minha sala e me toque. E chore porque eu não estou. Chore sabendo que não mereço.

Um homem quando morre por sofrer deve morrer como quer…

II – A chegada de mim

Vagueio pela sala.
Deambulando por ali sem pensar no que em mim quero que aconteça.
A tristeza derruba-me.
A impossibilidade de chorar faz-me soltar murmúrios. Murmúrios de quem grita por dentro. Pequenos sons abafados germinam da pele quente.

Esquartejo-me. Choro de dor. Aproveito para sentir como se chorasse de tristeza. Tão lindo o sentimento que sempre me acompanhou e que nunca soube exprimir.

Não sou feliz mas sei o que é ser triste. Assim saberei como seria se fizesse o que querem que faça.

Tenho problemas. Admito. Mas não é por isso que sou menos que todos.

As seringas olham para mim. Olham por mim.
Aguarda-as um braço virgem.

A água provoca efeitos em mim… a água na seringa provocará em mim o maior sorriso de todos. O sorriso de quem sorri porque sabe que deixará de ser triste…
Luís Miguel Teixeira
Escrito em Outubro 2005
muddlealongme.blogspot.com

2 comentários:

Rodrigo Cabrita disse...

Excelente união entre texto e foto! Abraço aos 2!

Teresa Durães disse...

escreves bem. violento, mas bem.

boa tarde