O frio que por mim sobe em mais um dia…
Passa mais gente e mais gente. Pelas sombras vêem-se atarefadas. Cada qual com a sua cartola. Em cada cartola se esconde uma alma. As pessoas não se manifestam quando tropeçam em mim.
Deitado no banco mais sujo da estação olho o mundo de fora, como se de fora estivesse.
Por nada eles morrem.
O circo começa quando à minha volta dois rapazes apontam o dedo para o único sem a cabeça coberta. Não me manifesto. Até porque não sei onde querem chegar.
O pessoal começa a juntar-se em torno de mim. Sinto-me mais pequeno… muito mais pequeno.
“É natal…”
Grita à minha frente, face a face o chefe da estação.
De facto as ruas estão diferentes, mas não consegui associar.
Levanto a cabeça e de mim foge a alma. Tento agarra-la… saltar… não passou do tecto. Estranho… ver a minha alma no centro do tecto. Não se sumiu hoje porque não quis. O buraco no tecto ou as janelas partidas seriam uma fuga fácil.
Por momentos sou um homem sem alma numa consoada qualquer de um aniversário qualquer.
Percorro em círculos os 50m2 desta antiga fazenda.
E lá fora passa mais um comboio…
E sento-me cansado e suado. Assim é mais fácil adormecer daqui a pouco…
Com as unhas que cortadas à dentada, faço leves movimentos sobre o meu corpo. A tristeza volta… e não tenho forças para caminhar mais. Chegou a hora de sofrer até mais não conseguir e adormecer para acordar para mais um dia.
Cravo as unhas no peito e vou escrevendo a letras imperfeitas o que foi sarando mas que não quero que se apague. Rasgo as cicatrizes mais um pouco… para que a dor que sinto não se vá embora. “Sobreviveremos… mesmo que sozinhos… sobreviveremos…”
As dores não param… a memoria continua….
Porque me deixaram? … Porque me esqueceram?...
“É Natal!!” – Grita outro miúdo com não mais de dezasseis anos.
E sem mais dizerem desatam aos pontapés. Sem nada dizer desato a sofrer.
“Fugiu-lhe a alma!...”
“Lá vai ela!...”
Acordo do meu sonho e faço força para voar. Para espanto de todos lá vou eu… atrás da alma.
Sobrevoo a estação… a cidade… o mundo.
Eu… a alma.
É Natal. E é no Natal que as coisas mais maravilhosas acontecem.
“Morreu…”
“Não valia a pena…”
“Não valia?! Era só mais um. Um que não acredita no espírito do Natal…” – Justifica o chefe da estação…
“É Natal!”
Gritam os miúdos alegres como todos os anos.
Feliz Natal!
Luís Miguel Teixeira
Passa mais gente e mais gente. Pelas sombras vêem-se atarefadas. Cada qual com a sua cartola. Em cada cartola se esconde uma alma. As pessoas não se manifestam quando tropeçam em mim.
Deitado no banco mais sujo da estação olho o mundo de fora, como se de fora estivesse.
Por nada eles morrem.
O circo começa quando à minha volta dois rapazes apontam o dedo para o único sem a cabeça coberta. Não me manifesto. Até porque não sei onde querem chegar.
O pessoal começa a juntar-se em torno de mim. Sinto-me mais pequeno… muito mais pequeno.
“É natal…”
Grita à minha frente, face a face o chefe da estação.
De facto as ruas estão diferentes, mas não consegui associar.
Levanto a cabeça e de mim foge a alma. Tento agarra-la… saltar… não passou do tecto. Estranho… ver a minha alma no centro do tecto. Não se sumiu hoje porque não quis. O buraco no tecto ou as janelas partidas seriam uma fuga fácil.
Por momentos sou um homem sem alma numa consoada qualquer de um aniversário qualquer.
Percorro em círculos os 50m2 desta antiga fazenda.
E lá fora passa mais um comboio…
E sento-me cansado e suado. Assim é mais fácil adormecer daqui a pouco…
Com as unhas que cortadas à dentada, faço leves movimentos sobre o meu corpo. A tristeza volta… e não tenho forças para caminhar mais. Chegou a hora de sofrer até mais não conseguir e adormecer para acordar para mais um dia.
Cravo as unhas no peito e vou escrevendo a letras imperfeitas o que foi sarando mas que não quero que se apague. Rasgo as cicatrizes mais um pouco… para que a dor que sinto não se vá embora. “Sobreviveremos… mesmo que sozinhos… sobreviveremos…”
As dores não param… a memoria continua….
Porque me deixaram? … Porque me esqueceram?...
“É Natal!!” – Grita outro miúdo com não mais de dezasseis anos.
E sem mais dizerem desatam aos pontapés. Sem nada dizer desato a sofrer.
“Fugiu-lhe a alma!...”
“Lá vai ela!...”
Acordo do meu sonho e faço força para voar. Para espanto de todos lá vou eu… atrás da alma.
Sobrevoo a estação… a cidade… o mundo.
Eu… a alma.
É Natal. E é no Natal que as coisas mais maravilhosas acontecem.
“Morreu…”
“Não valia a pena…”
“Não valia?! Era só mais um. Um que não acredita no espírito do Natal…” – Justifica o chefe da estação…
“É Natal!”
Gritam os miúdos alegres como todos os anos.
Feliz Natal!
Luís Miguel Teixeira
Obs.: por dificuldades técnicas apenas agora me é possivel publicar o conto de Natal.
10 comentários:
vim li, gostei
Uma morte anunciada ou o anúncio de uma morte para que seja sempre Natal?
Gostei do voo atrás da alma. Parabéns e boa aterragem...
Abraço.
Salve salve
Belo conto, diferente, esse buscar da alma foi muito bom de se ler...
"Deitado no banco mais sujo da estação olho o mundo de fora, como se de fora estivesse."
Adorei, parabéns pelo belo conto.
[s]s
Parabéns!
Pois é meu amigo… um bom conto de Natal com uma ideia original.
Gostei mesmo.
Abraço.
Luís Teixeira
O tema do outsider que é persona non grata por morrer logo no banco mais sujo, logo no dia de Natal, momento mais impróprio para estragar o postal. A verdade de que há pessoas que insistem em criar ilusões recusando enfrentar a realidade e que acusam os outros de estragar o momento programado para a felicidade! E as crianças cruéis que vivem sempre felizes, aconteça o que acontecer. Afinal parece que o teu conto tem muito que se lhe diga!
Abraços!
Quantos de nós não andam aí a correr atrás da alma? Não é só no Natal que ela chama por nós... :)
Beijinho* Gostei muito.
O Natal só é para todos nas histórias de encantar que a TV nos vende...
Um abraço
"E é no Natal que as coisas mais maravilhosas acontecem"...
E é entre essas coisas maravilhosas que está o esforço para, por mais um ano, acreditarmos que faz sentido nos sentirmos felizes. Nem que seja por fingimento. Mas sabe sempre melhor que perdermos a alma por sermos mais um que não acredita ou que se esqueceu de como se acredita.
Gostei
Que o verdadeiro espírito de Natal, nesta época de partilha de coisas boas, prevaleça com infatigável desejo na nossa amizade e, num golpe de gesto redondo repleto de magia, deixo-te um cabaz de aromas, esperança, felicidade e um voto para que sempre o amor te inunde com a sua companhia.
Boas Festas!
PiresF
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